Wednesday, October 27, 2010

Espalhafato televisivo


Foi com expectativa que comecei a ver o primeiro episódio da série America - The Story of Us, de momento a passar no canal História em Portugal, às sextas-feiras pelas 22h. No entanto, não sabia nada sobre a série, pelo que as minhas expectativas se deviam unicamente ao facto de ser sobre a história dos Estados Unidos, da qual sou um grande admirador.

Contudo, ao fim de poucos minutos torna-se claro que tudo não passa de espalhafato televisivo com conteúdo que não vai além do superficial, sobressaindo os efeitos CGI despropositados (sendo a maioria tecnicamente rasca), a condução narrativa pseudo-dramática sem a mínima profundidade, planos e efeitos de montagem para show-off, e uma narração feita de frases bombásticas e clichés para encher o ouvido (só no primeiro o episódio, há 4 ou 5 eventos que o narrador descreve dizendo que "o que se vai passar a seguir mudará o rumo da História", com voz enigmática e profunda).

É pena.

Monday, October 18, 2010

B A BA

Hoje, uma amiga chamou-me a atenção para algo que estava escrito numa mesa do Instituto Superior Técnico, que era o exactamente o seguinte:

Infelizmente, só vejo duas hipóteses para o facto de isto estar escrito numa mesa: ou duas pessoas estavam a debater se (a+b)^2 é igual a a^2+b^2, e quem defendia que não utilizou o método acima para demonstrar que tinha razão; ou alguém tinha dúvidas sobre o resultado e fez por si próprio a conta para o confirmar.

É preciso não esquecer que ninguém entra no IST (para qualquer curso!) sem ter tido pelo menos 10 valores no exame de Matemática, e tendo em conta que as médias para a maioria dos cursos andam a rondar os 15 valores, na verdade devem ser muito poucos os que entram com menos de 13 nesse exame.

E mesmo assim, neste leque filtrado de alunos que são (ou deveriam ser) pelo menos bons a matemática, ainda há quem não saiba de cor e salteado que (a+b)^2 é diferente de a^2+b^2, e que na verdade (a+b)^2=a^2+2ab+b^2. Se não me engano, isto é dado no 9º ano, e é um dos casos notáveis da multiplicação mais básicos e mais utilizados ao longo do ensino secundário e superior. Para se ter um termo de comparação, eu diria que é tão grave como um aluno de Literatura não saber quem escreveu Os Lusíadas, e penso que a maioria dos professores de disciplinas de ciências concordarão comigo.

É claro que não presenciei aquilo a ser escrito e, portanto, posso estar enganado, e não foi nada disto que na verdade se passou. No entanto, não me parece que alguém escreva aqueles resultados só porque lhe apeteceu, e portanto acho que, com grande probabilidade, tratou-se de alguém que não sabia ou que se esqueceu (o que, neste caso, é igualmente grave). Contudo, o leitor poderá discordar de mim. Como contei a história tal como ela aconteceu, cada um poderá tirar as suas conclusões.

Saturday, October 16, 2010

Ranking de Escolas Secundárias: Ilusão vs. Realidade

Como já vem sendo costume de há uns anos para cá, o Expresso publicou um ranking das escolas secundárias portuguesas, ordenado pela média obtida nos exames nacionais. Como é evidente, não se pode assumir que a qualidade de uma escola esteja perfeitamente espelhada nesse ranking, pois este é um valor algo subjectivo. Por exemplo: uma escola com muitos alunos problemáticos e mal preparados, mas que consegue ensinar-lhes o suficiente para que tenham uma prestação aceitável nos exames é certamente uma boa escola, mas que não irá estar num topo de um ranking destes.

Isto não significa, claro, que por causa disso seja impossível retirar quaisquer conclusões quando olhamos para as tabelas disponibilizadas. Um dado muito importante, por exemplo, tem que ver com a diferença entre a média das classificações externas (exames nacionais) e internas (avaliação contínua feita pela própria escola). Pegando apenas nas escolas que realizaram mais de cem provas, pode-se obter o gráfico seguinte, que mostra as classificações internas e externas em função da posição no ranking.

Vamos assumir algo que não é verdade: os exames nacionais representam a exigência desejável, e o esforço que é necessário fazer para se ter sucesso neles espelha o esforço que a dura realidade do mercado de trabalho exige. Mesmo que isto fosse verdade, as escolas já estariam a enganar os alunos: a classificação interna é sempre superior à classificação externa. Isto leva-nos a uma reflexão importante: frequentemente aparecem directores de escola de prestígio na televisão ou nos jornais a dizer que, nas suas escolas, a exigência é maior do que nos testes ou exames facilitistas fornecidos pelo Ministério da Educação. Sem querer retirar qualquer qualidade a essas escolas, esta questão, como se vê, é dúbia, pois nenhuma escola teve classificação interna inferior à externa. A situação agrava-se ainda mais por termos consciência de que o pressuposto assumido no início deste parágrafo é falso.

No entanto, o mais grave de tudo é o facto de, de uma forma geral, uma linha não acompanhar a outra. Face à descida da linha das classificações externas ao longo da posição no ranking, a linha das classificações internas, com oscilações, vai descendo de forma muito mais lenta, e poucas vezes vem abaixo dos 12 valores. Pode-se ter uma noção melhor deste fenómeno observando o gráfico seguinte, que para cada valor de classificação externa mostra a diferença de classificações nas várias escolas.

Isto é muito grave por duas razões. Primeiro, é uma injustiça para quem aprendeu alguma coisa ao longo do ano mas tem uma média interna idêntica a alguém que não aprendeu nada. Segundo, está-se a mentir aos alunos com piores desempenhos nos exames, por se lhes atribuir classificações internas positivas, não lhes dando uma noção real do que os espera nos exames nacionais. Note-se que, na última escola do ranking, esta diferença foi de 6 valores. Se analisarmos os rankings de disciplinas especialmente problemáticas, que o Expresso também disponibiliza, vamos encontrar situações ainda mais chocantes. Cheguei a ver 9 valores de diferença! Como é possível?! O que é que se anda a ensinar e a exigir aos alunos nestas escolas?

Ao contrário do que muitos apregoam, esta situação vai continuar a aumentar as desigualdades sociais, porque está-se a mentir aos alunos em piores condições de aprendizagem. Em vez de se lhes dar um grande apoio para aprenderem, está-se-lhes a dizer que estão a aprender quando, como se vê, não estão. Esta situação é inaceitável: as escolas não podem ser cápsulas de ilusão onde os alunos vivem felizes e contentes por nunca chumbarem; têm, isso sim, que espelhar a realidade. E a realidade é dura. Quando saírem da escola, essa felicidade ilusória vai terminar, numa altura em que provavelmete já vai ser tarde demais para ainda se prepararem para ela.

Para terminar, mais um dado para reflectir: já só há duas escolas públicas nas primeiras vinte...

Thursday, October 14, 2010

Vitória da Ciência, da Tecnologia e da Humanidade

Terminou esta madrugada uma extraordinária operação de resgate no Chile, de 33 mineiros que ficaram presos no fundo de uma mina durante mais de 2 meses. Todos os mineiros chegaram sãos e salvos à superfície, depois de um trabalho de aproximadamente 24 horas, em que um a um foram retirados na cápsula Fénix, cujo funcionamento pode ser entendido aqui.

Este resgate foi uma vitória suprema da ciência e da tecnologia, através das quais foi possível, até em menos tempo do que o previsto, fazer todos os cálculos e perfurações necessárias para que a sonda Fénix pudesse chegar lá abaixo em condições. Entretanto, fora também possível manter alimentados os 33 mineiros a mais de 600 metros de profundidade.

Apesar de tudo, há ainda aqueles que acham que a ciência não passa de uma construção social com tanta validade como qualquer outra, e de interesse discutível. Para esses, tenho duas sugestões que lhes podem mostrar que estão errados. A primeira é ler o seguinte excerto do livro de António Manuel Baptista, O Discurso Pós-Moderno Contra a Ciência:
Quanto àqueles sociólogos da ciência mais ligados ao chamado constructivismo social, que proclamam que a ciência não tem qualquer estatuto de objectividade diferente de outras convenções ou construções sociais, um bom conselho será de não viajarem de avião. Poderão escolher o tapete voador ou qualquer sistema mágico (aliás menos poluente e não facilmente transformável em míssil contra arranha-céus), pois existe o risco que, quando estejam voando, os cientistas consensualmente convencionarem que, afinal estão erradas as teorias e as experiências em que se baseia a mecânica e aerodinâmica da aviação. Nesta altura, evidentemente, de acordo com os constructivistas sociais, o avião cai.
Finalmente, a segunda sugestão: abram os olhos e olhem à vossa volta.

Esta vitória da ciência e da tecnologia trouxeram-nos outra: uma vitória que é de toda a humanidade. Não deixa de ser comovente para todos nós ver estes mineiros subir à superfície, após dois meses debaixo de terra. Quem acusa a ciência e a tecnologia de frias e sem ligação ao ser humano, aqui tem um exemplo de que não é esse o caso. A ciência está intimamente ligada com a esperança e com o salvamento de vidas.

Wednesday, October 13, 2010

O valor de educar, o valor de instruir

Este foi o título de uma conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, com participações de Fernando Savater, Ricardo Moreno Castillo e Nuno Crato. Enquanto os dois últimos desmontaram as teses do eduquês, o primeiro mostrou como a educação deve combater a ignorância, pois esta é o maior entrave ao bom funcionamento da democracia.

Embora Nuno Crato tenha abordado um tema que já o vimos defender várias vezes, desta vez fê-lo de forma absolutamente brilhante, sendo possivelmente a sua melhor intervenção a que assisti. Projectando em slides os mais típicos lugares comuns defendidos pelo eduquês, que são frases muito inocentes e aparentemente verdadeiras, desmontou-as uma a uma, mostrando que são na verdade falsas e que representam um perigo para a educação.

No entanto, fiquei com a ideia que o público, de uma forma geral, não concordou comigo. No final, várias pessoas interpolaram Nuno Crato, embirrando com pormenores de linguagem insignificantes e que em nada prejudicaram o discurso.

Para minha surpresa, uma dessas pessoas foi Maria do Carmo Vieira. Esta professora de português participou no melhor programa que vi do Plano Inclinado, tendo feito comentários extraordinários sobre educação, mas neste caso teve uma intervenção que me desiludiu bastante. Para além de uma embirrância com a utilização do termo "romântico" para caracterizar as pedagogias do eduquês (como expliquei neste texto, não costumo gostar de se implique com pormenores mesquinhos da linguagem), acusou Nuno Crato de praticamente desprezar as humanidades pelo facto de ter dito que os alunos precisam de decorar datas como o 5 de Outubro "sem perceber porque é foi 5 e não 4", ou que gostaria de saber Os Lusíadas de cor.

Nuno Crato tem razão: é preciso perceber o que foi a revolução republicana, mas isso não implica que se tenha que percorrer toda a sua história para se chegar à conclusão de que ocorreu dia 5 de Outubro. Essa data tem que ser decorada, possivelmente antes de perceber o que foi a revolução. Da mesma forma que é preciso decorar o algoritmo da multiplicação antes de perceber como é que ele funciona. E é preciso porque, nalguns casos, o decorar vai mais tarde ajudar a perceber.

A crítica de Maria do Carmo Vieira sobre esse tal desprezo pelas humanidades torna-se ainda mais injusta quando relembramos que a única frase duvidosa que proferiu nesse tal programa que referi do Plano Inclinado foi uma citação de António Damásio em que afirma que "a matemática não faz cidadãos", sem a mínima explicação. Depois, quando Nuno Crato discordou, meteu um pouco os pés pelas mãos para se justificar, dizendo, se bem me lembro, que "é preciso primeiro dominar o português". O que não é verdade: as duas coisas têm que ser feitas em simultâneo.

Portanto, dizer que "a matemática não faz cidadãos" é o mesmo que dizer que "o português não faz cidadãos": são ambas verdade se acrescentarmos a palavra no início. No entanto, se for dita como a professora Maria do Carmo Vieira a disse, isso sim dá a entender um desprezo pela matemática, o que sei que não tem porque compreendo a intenção com que foi dita. No entanto, Maria do Carmo Vieira não entendeu a intenção com que foram ditas algumas frases de Nuno Crato, e por isso fez acusações injustas.

Para terminar, uma última nota sobre as intervenções do público. A maioria das pessoas não percebe que essas intervenções devem ser perguntas breves, e não reflexões suas sobre a vida e o mundo. Mas, o mais grave de tudo foi a participação de um professor primário, que depois de uma reflexão totalmente vazia de conteúdo, faz uma pergunta a Savater em que mostrou ter interpretado o seu discurso todo ao contrário. Pergunta: como é que alguém que não consegue interpretar um discurso tão simples e directo pode ensinar seja quem for?

Tuesday, October 12, 2010

Idade da Reforma

O Estado Social voltou a estar em debate no Plano Inclinado do passado sábado, novamente com o professor João Cantiga Esteves como convidado. Do programa, destaco a excelente análise que este fez do que se passa com a idade da reforma em França, para que se aproveite para fazer uma reflexão sobre o mesmo tema em Portugal.
Neste momento, [em França] está a haver uma luta incrível em que a reforma média de um francês é aos 59 anos quando a esperança de vida está nos 83 anos. Isto é que é egoismo, isto é que é totalmente anti-solidário. Como é que é possível vir para a rua manifestar-se para defender uma reforma aos 59 anos com a esperança de vida aos 83?! Isto é a coisa mais anti-solidária que há, anti-geracional, que obviamente não pode acabar bem. E acham que têm direito! Isto é absolutamente fantástico!

E nós também. O nosso problema não é tão grave, mas os franceses vão de facto ter muitos problemas com esta atitude. Porque realmente há aqui um problema inter-geracional. Naturalmente que a dívida pública é já o dinheiro das próximas gerações, e os dados são absolutamente inacreditáveis. E como é que se persiste, como é que vão para a rua em manifestações enormes?!

(...)

De facto há aqui um problema inter-geracional, porque há aqui uma geração que está a querer beneficiar disto o mais possível, sem querer a mínima contenção, e em total desrespeito pelas próximas gerações.
Aqui fica o programa completo.


Monday, October 11, 2010

Relativismo Pós-Moderno

No livro Um Discurso sobre as Ciências, o professor Boaventura Sousa Santos, catedrático de renome na área da sociologia, escreve o seguinte:
(...) a ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia.
Antes de comentar esta afirmação, há outro tópico que gostaria de abordar. Há alguns anos, o físico Alan Sokal escreveu um artigo para um número especial da revista Social Text dedicado às Guerras de Ciência. O texto tinha o seguinte título: Transgredindo as Fronteiras - Para uma Hermenêutica Transformativa da Gravidade Quântica. Ah, que belo título: pomposo, chamativo e com impacto! Tem, no entanto, um problema: não tem qualquer significado. Ou seja, bem ao jeito de uma publicidade às pulseiras do equílbrio.

Aliás, não era só o título a ter esse "problema". Todo o artigo era um chorrilho de asneiras pseudo-científicas que metia muitas vezes a palavra "quântico" (é a palavra preferida de quem quer impressionar os outros com pseudo-ciência). Mas de facto a palavra "problema" deve estar entre aspas, porque este era precisamente o objectivo de Alan Sokal. O artigo foi aceite e aplaudido pela revista, mas brevemente Sokal disse tratar-se de uma paródia. O artigo pretendia simplesmente evidenciar a falta de critério que o pensamento pós-moderno tinha trazido às ciências sociais.

A razão por que me pareceu pertinente relatar esta situação é a seguinte: quem não conhecer Boaventura Sousa Santos e ler o excerto que aqui coloquei poderá pensar que se trata de uma paródia ao pensamento pós-moderno como a que Sokal fez. No entanto, não só é mesmo a sério, como o professor Boaventura Sousa Santos é visto como pelos seus admiradores como uma espécie de Maomé do pensamento pós-moderno em Portugal.

Considerando que era urgente expor a verdade sobre excertos como este, o professor de física e medicina nuclear António Manuel Baptista escreveu um livro intitulado O Discurso Pós-Moderno Contra a Ciência - Obscurantismo e Irresponsabilidade. Aqui fica parte do texto da contra-capa:
Considerando que as crenças desta corrente de pensamento são como certos vírus que, expostos ao ar e à luz, se inactivam, o físico António Manuel Baptista expõe-nas ao pensamento crítico dos leitores, mostrando como assentam, na hipótese mais generosa, numa profunda incompreensão do que é a ciência, infectando, numa sociedade pouco instruída e nada crítica como a nossa, tudo o que é mais importante para o país, desde a educação e a saúde até à política.
Para terminar, deixo uma questão: será que o professor Boaventura Sousa Santos, quando está doente, vai ao médico ou consulta o bruxo africano da esquina? Atendendo ao seu discurso, calculo que fique a ponderar sobre quais destas duas formas "igualmente válidas" de tratar a realidade prefere...

Sunday, October 10, 2010

Sul da Europa

Há cerca de dois ou três anos, num Prós e Contras sobre educação, uma professora pedia para que se olhasse para os rankings da OCDE sobre performance em leitura, matemática e ciência com o mapa da Europa na cabeça. Olhando para os países pior classificados, vai-se chegar a um padrão que se repete nas várias áreas e nos vários anos: Turquia, Grécia, Itália, Portugal, Espanha... o Sul da Europa...

Com isto, a referida professora queria chamar a atenção para o facto de o nosso problema ser em grande parte cultural, e que por isso levaria várias gerações a mudar. Devo dizer que concordo com esse argumento. Aliás, o problema não está só na educação: veja-se por exemplo o termo PIGS, utilizado em finanças para referir quatro países com uma enorme dívida externa: Portugal, Itália, Grécia e Espanha... mais uma vez, o Sul da Europa...

Mas o que está na génese deste atraso sul europeu? Se apenas quisermos ter uma ideia geral do que poderá causar o problema não são precisos grandes estudos sociológicos, bastando apenas uma visita (ou, de preferência, uma estadia um pouco mais prolongada) aos países do Norte e Centro da Europa. A organização, a pontualidade, a responsabilidade, o empenho e o respeito (pelos outros e pelas regras) saltam facilmente à vista. E, como é evidente, um país organizado e com pessoas responsáveis (políticos com a vida pública exposta, trabalhadores conscientes de que no trabalho é para trabalhar, etc.) tem o primeiro passo dado para desenvolver uma educação de qualidade e uma economia estável.

Em Portugal (e, pelos vistos, noutros países do Sul da Europa) a história é diferente. Veja-se uma situação que ocorre comigo recorrentemente. Tenciono frequentar o mestrado no estrangeiro, e as minhas opções principais são a Universidade Técnica de Delft (Holanda) e o Instituto de Tecnologia Real (Suécia, Estocolmo). Quando digo isto a alguém, raramente as pessoas se preocupam em saber qual a qualidade da educação nestas Universidades, o contacto que têm com empresas prestigiadas, ou a facilidade com que colocam alunos no seu próprio mercado de trabalho ou no europeu. No entanto, há uma preocupação que domina: na Holanda o tempo é nublado e chuvoso e na Suécia faz frio.

Em tom de brincadeira séria, apetece dizer que parece que é esta a grande preocupação dos portugueses (e, possivelmente, do restante sul europeu): o clima. Não por acaso, a chuva é desculpa para tudo em Portugal. Uma pessoa minha conhecida estrangeira costumava dizer que a coisa que lhe fazia mais impressão nos portugueses era que quando chove ninguém faz nada. Não por acaso, quando chove ao fim de semana, a imagem que tenho do típico português é que, mesmo que tenha um monte de trabalho no escritório ao lado, não se levanta do sofá nem descola os olhos da televisão (apesar de também não chover no escritório). O típico português fica espantado como é possível viver sem o insuportável calor do nosso Verão para que possa passar Agosto inteiro na praia (das poucas coisas que não pára no Portugal de Agosto).

O problema é que, como se tem visto em questões como as duas aqui referidas (educação e economia), o típico português (e sul europeu) devia estar mais preocupado com coisas sérias...

Saturday, October 9, 2010

A ler


Helena Daminão colocou no De Rerum Natura um excerto do livro de Fernando Savater intitulado O Valor de Educar, que é de indispensável leitura. Irei aqui citar algumas passagens, com sublinhados meus, que me parecem especialmente pertinentes.

Não há educação se não há verdade a transmitir, se tudo é mais ou menos verdade, se cada um tem a sua verdade, igualmente respeitável, e se não se pode decidir racionalmente entre tanta diversidade. Nada pode ser ensinado se nem sequer o professor acredita na verdade que ensina e no quanto é importante saber verdadeiramente. (...)

A metodologia científica e, inclusive, a simples prudência indicam que as verdades não são absolutas ainda que assim nos pareçam. São frágeis, passíveis de serem revistas, sujeitas a controvérsia e por fim perecíveis, mas nem por isso deixam de ser verdades, isto é, mais sólidas, mais justificadas e mais úteis que outras crenças que se lhes opõem. São também mais dignas de serem estudadas, ainda que o mestre que as explica não deva ocultar a possível dúvida crítica que as acompanha (...).

(...) Richard Dawkins dá o exemplo da aviação como prova intuitiva de que nem todas as verdades são aceites como simples convenções culturais do momento; se não concedêssemos aos seus princípios mais veracidade que a que costumamos atribuir aos discursos dos políticos ou às prédicas dos curas, nenhum de nós subiria jamais a um avião. (...).

Em vez de serem consideradas propostas imprecisas, limitadas pela insuficiência de conhecimentos ou pela aceleração, as opiniões convertem-se em expressão irrebatível da personalidade do sujeito («esta é a minha opinião», «essa é a sua opinião») como se o relevante delas fosse a quem pertencem, e não o que as fundamenta. A velha e deselegante frase que os tipos duros de algumas películas americana, costumam dizer – «as opiniões são como os cus, cada um tem o seu» – ganha força, porque nem sobre as opiniões nem sobre os traseiros, pelos vistos, é possível existir qualquer discussão e ninguém pode desprender‑se de umas ou do outro, ainda que o queira.

A isso, junta‑se uma obrigação beatífica de «respeitar as opiniões alheias», que, se na verdade se pusesse em prática, paralisaria todo e qualquer desenvolvimento intelectual ou social da humanidade.

Para não falar do «direito a ter a sua própria opinião» que não é o direito de pensar por si mesmo e submeter a uma confrontação racional o pensado, mas sim o de manter a própria crença, sem que ninguém interfira com incómodas objecções. (...)

A tendência para converter as opiniões em parte simbólica do nosso organismo e para considerar tudo quanto as desmente como uma agressão física («feriu as minhas convicções») não constitui uma dificuldade apenas para a educação humanista como também para a convivência democrática. Viver numa sociedade plural impõe assumir que o que é verdadeiramente importante são as pessoas, não as suas opiniões, e que estas devem ser escutadas e discutidas e que não nos devemos limitar a vê‑las passar, sem as tocar, como se fossem vacas sagradas. (...)
Fernando Savater estará em Lisboa na próxima terça-feira, pelas 17h30, na qual Nuno Crato também participará. Intitula-se precisamente O Valor de Educar, e terá lugar na Faculdade de Ciências.

Thursday, October 7, 2010

Triste

Não estava em Portugal na altura em que foi exibido o último programa da primeira série do Plano Inclinado, e por isso só há uns dias me lembrei de assistir. O convidado era Carvalho da Silva, o que por um lado me deixou motivado para ver a capacidade de argumentação de Medina Carreira face a alguém com quem certamente iria discordar muito, mas por outro deixou-me também de pé atrás porque não aprecio discursos que só se encaixam num mundo de ilusão em que certamente não vivemos.

No que diz respeito à primeira, confirmei infelizmente o que já esperava. Medina Carreira pode dizer muitas coisas acertadas sobre o estado do país e comunicá-las de forma certeira ao público geral, mas não tem uma capacidade extraordinária da argumentação em debate, pois não consegue formar um discurso que toque especialmente nos pontos que dificultariam o seu adversário, mantendo-se sempre no seu discurso habitual como se estivesse simplesmente numa entrevista só com Mário Crespo.

Quanto à segunda, pior do que o discurso datado de Carvalho da Silva, que é de quem ainda vive num mundo pré queda do Muro de Berlim, foi a falta de respeito e de educação que mostrou perante os seus colegas da mesa, sobretudo para com o professor João Duque. Recorrendo à intensidade sonora que deve ter aprendido nos comícios, monopolizou totalmente o programa. Medina Carreira, que tem facilidade em impor a sua palavra, conseguiu deixar a sua opinião bem explícita; mas o professor João Duque, que mantém sempre o respeito e não tem por hábito interromper os outros, teve que conviver com a falta de educação do convidado.

Uma tristeza.

Tuesday, October 5, 2010

O Estado Social em debate



É absolutamente obrigatório assistir ao primeiro programa da nova série do Plano Inclinado, agora só com Medina Carreira e mais um convidado, que neste caso foi o professor João Cantiga Esteves. O tema foi o Estado Social, e por isso mesmo é tão fundamental assistir a estes 50 minutos: de todas as mentiras que a classe política vai repetindo há decadas, esta é uma das mais graves.

Fala-se do Estado Social como se fosse uma garantia que milhões de portugueses vão para sempre receber (independentemente de haver dinheiro ou não), como se fosse meramente uma questão ideológica e não técnica (isto é, se não há dinheiro não pode haver Estado Social, por muito que se goste de exibir uma ideologia de esquerda) e ignorando completamente a conjuntura económica global em que estamos inseridos.

Por isso, quando se diz a verdade acerca deste tema na televisão, é importante que ela seja vista e ouvida pela maioria das pessoas, para que possam ter consciência das mentiras que a classe política vai inventando, eternamente entretida numa luta entre "somos de esquerda" e "somos de direita" que não tem significado a não ser no mundo de fantasia onde a maioria dos políticos portugueses vivem. Como dizia há uns dias o Frei Fernando Ventura numa extraordinária entrevista com Ana Lourenço que o professor Norberto Pires divulgou aqui,
Temos sentados no poder gente peneirenta, da esquerda à direita. Continuamos atavicamente e estupidamente a pensar em critérios políticos de direita e de esquerda. Isto já não existe. Está podre. Acabem com isso. É ridículo. É folclore. Não temos dinheiro para pagar folclore.
E ainda a propósito desta questão da falência do Estado Social enquanto o conhecemos, recomendo a leitura deste texto intitulado A revolução liberal da Suécia que Henrique Raposo escreveu hoje para o seu blog no Expresso, ou, preferencialmente, deste artigo em que se baseia.

Nestes textos é possível entender como a Suécia salvou o seu Estado Social fortíssimo, muito característico dos países nórdicos, da crise económica. Não foi com esta conversa que temos cá de investimentos públicos megalómanos, do estado controlar tudo e da escola pública dominar sem deixar qualquer papel para as famílias. Pelo contrário: atribuição de cheque-ensino para que os pais possam escolher a escola dos filhos, semi-privatização da segurança social e uma economia liberal e flexível são exemplos de medidas que o Governo de centro-direita, agora reeleito, tomou nos últimos anos. Os suecos perceberam que estes são factores que podem gerar riqueza para sustentar o Estado Social, tornando-os a 2ª economia mais competitiva do mundo de acordo com o Global Competitiveness Report de 2010.

Pelo contrário, a grande maioria dos países do Sul da Europa continua a insistir num modelo que, como é possível perceber neste último programa do Plano Inclinado, está destinado à falência. Até quando vamos insistir?

Saturday, October 2, 2010

A ler

No Expresso da semana passada há dois excelentes textos imperdíveis:

Friday, October 1, 2010

Liberdade de Opinião vs Validade de Opinião

Há uma confusão muito comum entre liberdade de opinião e validade de opinião. A liberdade de opinião, felizmente, existe hoje em dia nos países desenvolvidos: ninguém é preso ou paga uma multa por dizer que acredita que as pulseiras do equilíbrio fazem efeito, que os remédios homeopáticos curam doenças, ou que que o Homem não foi à Lua. O problema é que, quando são confrontadas com factos claros que mostram que essas crenças não têm sentido, muitas vezes a resposta é "tenho o direito à minha opinião". Verdade! No entanto, é preciso recordar: ela não se torna válida por causa disso.

Esta tendência talvez esteja relacionada com um certo pensamento pós-moderno que procura descredibilizar a ciência e, quando chega ao limite dos limites, defende que todas as opiniões são igualmente válidas porque só dependem do ponto de vista de quem as emite. E isto não é verdade.

Discutir as pulseiras do equilíbrio ou o efeito de remédios homeopáticos (ou, até, a viagem à Lua), não é como discutir o aborto ou a eutanásia. Os primeiros temas podem ser quantificados tendo em conta factos e dados obtidos em experiências ou ensaios clínicos bem feitos; os segundos só permitem, quanto muito, que se quantifiquem as suas consequências na população, mas não a sua validade moral, que geralmente é o que está em debate. O filósofo e matemático Bertrand Russell explicitou muito bem esta diferença no seu livro Religion and Science:
While it is true that science cannot decide questions of value, that is because they cannot be intellectually decided at all, and lie outside the realm of truth and falsehood. Whatever knowledge is attainable, must be attained by scientific methods; and what science cannot discover, mankind cannot know.
É, portanto, preciso insistir no seguinte: há coisas de tal forma quantificáveis que é possível saber se estão certas ou erradas. Na introdução do livro Bad Science (em português, Ciência da Treta), o autor Ben Goldacre reforça esta ideia muito claramente:
E se, quando terminar [de ler o livro], ainda achar que discorda de mim, então sugiro-lhe o seguinte: não deixará de estar errado, mas pode ter a certeza de que o estará, só que de uma forma muito mais confiante (...).